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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A Regência de Alexandra Feodorovna em 1915-17

Alexandra Feodorovna no Palácio de Alexandre, no outono de 1916
Durante a Primeira Guerra Mundial, Nicolau II poderia ter assumido o papel de líder civil, coordenando o governo, garantindo que o exército estava bem equipado, fazendo os possíveis para garantir que os feridos eram tratados, os refugiados apoiados, e que o país continuava a funcionar. No entanto, Nicolau, tal como Guilherme II na Alemanha, sentia um grande fascínio pelo lado romântico do exército, tinha má opinião da administração civil e sentia-se demasiado sobrecarregado com as falhas no governo para saber sequer por onde devia começar. (...)

A sua solução para a crise foi assumir o comando supremo do exército em Setembro de 1915. Num momento de optimismo exacerbado, Nicolau tinha-se convencido de que essa seria a decisão que iria remediar todos os problemas da Rússia: se fosse ele a assumir o comando, Deus salvaria a Rússia e os camponeses que prestavam serviço no exército iriam lutar com ainda mais vontade. Nicolau adorava a ideia de lutar ao lado dos seus soldados e de fugir às intrigas e cabalas e "pouco interesse pessoal" que havia em São Petersburgo - que tinha sido rebatizada de Petrogrado para a afastar das suas origens alemãs. "Na frente de batalha," confidenciou o czar a Pierre Gilliard, tutor do seu filho, "só se pensa numa coisa: na determinação de vencer."

Nicolau II durante a Primeira Guerra Mundial
Já há vários meses que Alexandra tentava convencer o marido a tomar esta decisão, afirmando que ele era o salvador da Rússia e que Deus o iria proteger. Era uma ideia tão má que, quando Nicolau a anunciou ao seu Conselho de Ministros, todos ficaram em silêncio. "É tão horrível," escreveu Sazonov [Sergei Sazonov, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia entre 1910 e 1916], "que a minha cabeça está um caos". Outro ministro afirmou secamente que esta decisão "reflecte completamente as suas crenças espirituais e a forma mística como vê o seu chamamento imperial". Depois de vários anos de lutas internas, o Conselho de Ministro tomou a decisão nunca antes vista de se unir para escrever uma carta em conjunto ao czar onde lhe pediam para não seguir em frente com aquela decisão. Até Goremykin [Ivan Goremykin, primeiro-ministro da Rússia em 1906 e, mais tarde, entre 1914 e 1916], que concordava sempre com o czar, assinou a carta. Até a mãe e a irmã de Nicolau [Olga Alexandrovna] acharam que seria uma catástrofe. Apesar de todos os pedidos, o czar decidiu avançar com a sua decisão de qualquer das formas. Sem qualquer experiência em estratégia ou em batalhas, não demorou muito até todos no quartel-general passarem a ver Nicolau como alguém irrelevante. A decisão teve o resultado já esperado de fazer com que ele fosse mais culpado do que nunca pelos desastres militares que se iam sucedendo.

Nicolau II
Quando Nicolau deixou São Petersburgo e o governo civil, Alexandra sentiu-se na obrigação de ocupar o seu lugar. Deixou a sua cama de inválida e decidiu dar à Rússia aquilo que acreditava ser uma grande lição em autocracia. Começou a dispensar ministros a uma velocidade estonteante logo quatro dias depois da partida de Nicolau. Todos à sua volta percebiam que, para ela, a política era "um assunto de sentimentos e personalidades". O esforço que o governo estava a fazer para sobreviver durante a guerra foi substituído por uma luta pessoal entre aqueles que Alexandra considerava estarem a seu favor e aqueles que achava estarem contra ela. Os ministros que tinham pedido ao czar para não se tornar comandante supremo do exército foram sistematicamente descredibilizados e dispensados. Qualquer pessoa que sugerisse algum tipo de colaboração com a Duma era dispensada. Qualquer pessoa de quem ela não gostasse, se tivesse oposto a alguma das suas decisões ou criticasse Rasputine - a quem a imperatriz procurava cada vez mais para obter conselhos políticos e que, tal como Pierre Gilliard observou, se limitava a confirmar aquilo que ela queria ouvir - era dispensada. Até o velho Goremykin perdeu as boas graças da imperatriz.

Nicolau e Alexandra
As cartas que escrevia a Nicolau - ainda em inglês - estavam cheias de referências ao "Nosso Amigo" e de pedidos para a remoção de ministros. "Quem me dera poder enforcar o Rodzianko [presidente da Duma]", escreveu ela, "é um homem horrível e insolente". Também o incentivava a ser assertivo e autocrático. Entretanto, em São Petersburgo, ia mudando de ministros a uma velocidade quase cómica, nomeando e dispensando quatro primeiros-ministros - cada um deles mais conservador e menos eficaz do que o anterior - num período de dezasseis meses, tentando desesperadamente encontrar aquele ministro "leal", o homem que odiasse suficientemente a Duma e que respeitasse suficientemente Rasputine. O primeiro-ministro de quem mais gostou foi Protopopov, um antigo representante da Duma que se tinha tornado admirador de Rasputine e que quase todos achavam ter algum tipo de problema mental, enquanto que outros eram da opinião que era completamente louco. A imperatriz promoveu-o, apesar de reconhecer que ele era "extremamente nervoso e muitas vezes perde a linha de raciocínio", só porque "ouvia" Rasputine e, segundo ela, "tem uma grande devoção por nós!". Segundo relatos da época, é possível que, a esta altura, Protopopov sofresse de sífilis terciária em estado avançado.

Alexandre Protopopov
Pierre Gilliard, que simpatizava completamente com a agonia que Alexandra sentia devido à doença do filho, temia que ela estivesse a enlouquecer: "muitas vezes passava por períodos de êxtase místico nos quais perdia por completo a noção da realidade". Entretanto, a visão obsessivamente polarizada que a imperatriz tinha do mundo levou-a a favorecer Rasputine em público, ao mesmo tempo que ignorava a forma cada vez mais aberta com que ele se aproveitava da sua posição privilegiada. Havia figuras que serviam na corte há vários anos, como Mossolov [chanceler da corte russa entre 1900 e 1916), que viam como o governo se tornava cada vez mais caótico sem poder fazer nada para o impedir. As nomeações e sinecuras eram cada vez mais preenchidas pelos amigos e clientes de Rasputine e parecia não haver nada a fazer senão aceitar o que estava a acontecer. O governo, que já estava em dificuldades, tornou-se ainda mais ineficaz, ridículo e corrupto. Em comparação, a Duma e o movimento dos Zemstvo pareciam cada vez mais eficazes e apelativos. Juntamente com o facto de Nicolau ter assumido o comando do exército, o efeito deste período na reputação do casal imperial foi devastador.

Alexandra Feodorovna
Já há muitos anos que as classes altas da Rússia não gostavam de Alexandra, mas, depois de assumir o governo, não demorou muito até começar a ser odiada veemente. Nicolau dava a impressão de ser um homem falhado e fraco. Ao ressentimento sentido pelas exigências da guerra, começaram a juntar-se as histórias de corrupção, caos e até de traição que se desenrolavam nas posições mais importantes do governo. Tendo em conta os desastres que se iam sucedendo na frente de batalha e a aparente indiferença e incapacidade do governo para resolver os problemas mais básicos, não é de admirar que os rumores relativos à suposta simpatia de Alexandra pelos alemães e à sua relação bizarra com Rasputine se tenham começado a espalhar além da elite e chegado ao resto do país e ao exército que estava cada mais insatisfeito. Em 1916, muitos acreditavam que Rasputine e os seus comparsas eram agentes alemães que tinham como objectivo entregar a Rússia à Alemanha e que a imperatriz de origem alemã estava a trabalhar com eles.

Alexandra Feodorvna
A relação entre Nicolau e Alexandra e a família (tanto a mais próxima, na Rússia, como os parentes mais afastados em Inglaterra e na Alemanha) começou também a ser afectada devido às más políticas e suspeitas da guerra. A correspondência entre Nicolau II e o seu primo direito, o rei Jorge V do Reino Unido, que sempre tinha sido cordial, começou a encher-se de coisas por dizer e explicações não requisitadas. "Tenho estado muito ocupado com algumas mudanças de ministros, das quais deves ter ouvido falar," escreveu Nicolau depois de a Rússia ter batido em retirada várias vezes em meados de 1915. "Relativamente à retirada na Galicia (...) teve de ser feita para salvar o nosso exército - única e exclusivamente devido à falta de munições e espingardas. E este motivo é muito doloroso. Mas o meu país compreendeu-o bem e todos estão a trabalhar para colmatar as necessidades do exército com energia redobrada (...) falta pouco para se completar um ano desde que esta guerra terrível rebentou e só Deus sabe quanto tempo poderá durar - mas vamos lutar até ao fim!". A resposta de Jorge pegou noutra crítica implícita: "posso garantir-te que aqui na Inglaterra estamos a fazer todos os possíveis para produzir as munições e armas necessárias e estamos a enviar tropas dos nossos novos exércitos para a frente de batalha o mais rapidamente possível". Entretanto, Minny [Maria Feodorovna, mãe do czar), cuja relação com Alexandra se tinha deteriorado gravemente desde que a imperatriz começou a dispensar ministros, - "está a arruinar-se a ela e à dinastia", disse a Kokovtsov - contava histórias dos seus excessos à irmã, a rainha-mãe de Inglaterra. "Tenho a certeza que se acha a imperatriz Catarina deles," escreveu a rainha Alexandra ao seu filho Jorge- A opinião que a família real britânica tinha de Alexandra piorava cada vez mais.


Nicolau II (dir.) com o primo Jorge (esq.) e o tio, o rei Eduardo VII de Inglaterra (centro).
Até Sir George Buchanan [embaixador do Reino Unido na Rússia] começou a acreditar nos rumores de que Alexandra tinha simpatias alemãs. Estava convencido de que a imperatriz estava a afastar os políticos moderados favoráveis à Inglaterra como Sazonov, que foi dispensado em 1915, para os substituir por conservadores favoráveis à Alemanha que queriam afastar a Rússia da Entente. O embaixador questionou-se se ela estaria a conspirar contra a aliança, mas, no final, decidiu que a imperatriz não passava de um fantoche de Rasputine. No entanto, Buchanan estava completamente errado. O casal imperial estava completamente dedicado à guerra. Era o seu país que se começava a revoltar contra ela. Nicolau não conseguia sequer pensar em mais derrotas para a Rússia. Alexandra tinha renunciado o seu país-natal que, segundo contou a Pierre Gilliard, se tinha tornado "um país que não conheço e que nunca conheci". Segundo o embaixador francês, a imperatriz apresentava-se como um mulher inglesa "tanto no seu aspecto exterior, na sua pose, como numa certa inflexibilidade e puritanismo". Ninguém acompanhava os acontecimentos do exército britânico com mais devoção. Quando o seu irmão, Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt, tentou entrar em contacto com ela através de um antigo empregado que vivia na Áustria, Alexandra recusou-se a fazê-lo.

Alexandra e Ernesto Luís
Texto retirado em parte do livro "The Three Emperors - Three Cousins, Three Empires and the Road to World War One" de Miranda Carter