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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Princesa Vitória da Prússia no casamento do irmão Alfredo com a grã-duquesa Maria Alexandrovna

Vitória da Prússia (esq.) com o irmão Alfredo e a irmã Helena do Reino Unido
A rainha Vitória não era a única que acreditava na eficácia política das amizades e casamentos entre monarcas - uma falácia típica do século XIX com a qual até Bismark concordava. Nesse sentido, Alix [Alexandra da Dinamarca] e a sua irmã Dagmar, esposas dos herdeiros dos tronos do Reino Unido e da Rússia, respectivamente, tinham promovido uma união entre o irmão de Vicky [Vitória da Prússia], Alfredo, e a filha do czar Alexandre II, a grã-duquesa Maria. A rainha opôs-se veemente ao casamento, em parte por motivos religiosos (os Romanov eram ortodoxos), mas principalmente porque o czar não saltou logo de alegria quando lhe foi dada a oportunidade de casar a sua única filha com o segundo filho da rainha Vitória.

A rainha Vitória
A princesa-herdeira da Alemanha [Vicky] tinha opiniões distintas sobre a escolha do irmão. Por um lado, não confiava na família real russa, mas, por outro, tinha ficado impressionada com a grã-duquesa Maria nas poucas vezes que as duas tinham estado juntas. Maria era o tipo de jovem de que Vicky gostava - muito inteligente e relativamente simples. Não era remotamente bonita, mas Vicky esforçou-se por encontrar aspectos positivos nela - um rosto pálido, uma boa testa, um feitio simples e sincero, e uma fortuna que seria muito útil para o ducado de Coburgo, que Alfredo iria herdar após a morte do seu tio, o duque Ernesto, que não tinha descendentes. Affie [Alfredo do Reino Unido] já tinha vinte-e-oito anos, à época uma idade já muito avançada para se casar e começar uma família.

O príncipe Alfredo e a grã-duquesa Maria
Vicky decidiu estar presente no casamento do irmão. A rainha Vitória não ficou muito contente com a notícia. "Espero que o frio de São Petersburgo não seja demasiado para ti," escreveu ela. "Tenho pena de não estar presente pela primeira vez no casamento de um dos meus filhos, mas, ao mesmo tempo, agora não gosto nada de ver casamentos e acho-os tristes e dolorosos".

Vitória, Princesa Real com a mãe, a rainha Vitória
O casamento da filha do czar com o filho da rainha Vitória realizou-se a 23 de Janeiro de 1874, no esplendor do Palácio de Inverno. Foi celebrado em duas partes, para satisfazer a noiva ortodoxa e o noivo anglicano. A cerimónia russa foi, de longe, a mais pitoresca, com a noiva e o noivo a circular pelo altar da capela imperial com velas acesas nas mãos. Alguns dias depois, os convidados viajaram para Moscovo, onde se realizaram mais almoços e jantares e bailes, incluindo uma festa dada em honra do casal uma semana depois do casamento.

Caricatura de Maria vestida de noiva, feita por um jornal inglês
Foi um casamento luxuoso, mesmo para os padrões reais. Augusta Stanley, esposa do capelão que oficializou a cerimónia anglicana, escreveu para casa a dizer que, apesar de ter pedido diamantes emprestados a toda a gente que conhecia antes de partir de Inglaterra, ficou muito aquém do desejado quando comparada com as grã-duquesas russas russas que estavam "literalmente cobertas deles - nos cintos, bordas dos vestidos, saias, corpetes, cabeças - pedras gigantescas - e esmeraldas, e ainda outras pedras preciosas." Outra dama inglesa, no entanto, queixou-se da falta de higiene destas senhoras cobertas de jóias, a quem acusou de cheirarem tão mal como os camponeses que as serviam.

A grã-duquesa Maria com o marido Alfredo e três dos seus cinco filhos
Vicky passou menos tempo no palácio do czar do que as outras senhoras. Preferia estar no exterior, a ver e a explorar este novo mundo exótico, que descreveu numa carta dirigida à sua mãe Vitória quando regressou a casa:

"Não há nada que se compare a Moscovo como uma visão - nunca vi nenhuma imagem semelhante (...) a grandeza daquelas 300 igrejas com as suas cúpulas douradas, verdes e azuis, as paredes imponentes da fortaleza com as suas lindas torres pequeninas, com tectos envidraçados verdes e as suas estranhas colunas, algumas bizantinas, outras normandas e outras ainda mouras - tudo isto coberto de uma bela neve brilhante e com corvos negros a circular a floresta de torres e colinas imponentes foi simplesmente magnífico. 
Fiquei contente por ter ido à Rússia, apesar de ficar muito agradecida por não ser russa e não precisar de passar lá os meus dias (...) parece-me que por toda a Rússia paira uma melancolia monótona, pesada e silenciosa muito deprimente para o espírito!  Não falo de Petersburgo como aquelas pessoas que a visitam numa onda viva de entusiasmo e frivolidade e que podiam fazer as mesmas coisas em Paris ou em Viena, sem tirarem algum tempo para (...) reflectir além dos salões brilhantes e do luxo exagerado dos palácios e da extravagância frenética de uma corte tão grande."

Vitória com o vestido da corte prussiana
Este laço matrimonial entre a Inglaterra e a Rússia não resultou em mais nada além de algumas semanas de comemorações reais caras. O casamento do príncipe Alfredo do Reino Unido e a grã-duquesa Maria da Rússia, que parecia prometedor no início de 1874 não foi feliz. Nem conseguiu, como muitos esperavam, melhorar as relações diplomáticas entre os seus países. Foi, na verdade, pouco mais do que uma irrelevância política - uma união que não alterou em nada o equilíbrio entre potências tão cuidadosamente delineado por Bismark.

Vitória da Prussia (sentada, à direita) com a sua cunhada, Maria Alexandrovna (em pé, à esquerda da rainha), três das filhas dela, as princesas Maria (futura rainha da Roménia), Alexandra e Vitória Melita, a sua mãe, a rainha Vitória, a sua filha Vitória (Moretta) e a sua irmã Beatriz.
Texto retirado do livro "An Uncommon Woman - The Empress Frederick" de Hannah Pakula

sábado, 23 de janeiro de 2016

Documentário "Uma Família Real" (2004)


A série documental "Uma Família Real", ou "En kongelig familie", no título original, foi produzida pelo canal dinamarquês DR e transmitida pela primeira vez na Dinamarca no Natal de 2003. Desde então foi já realiza uma versão em inglês do mesmo, que a que disponibilizamos mais abaixo.

Esta série acompanha a história dos descendentes do rei Cristiano IX e da rainha Luísa da Dinamarca, que se casaram com algumas das famílias reais mais prestigiantes da Europa em meados dos século XIX, o que valeu aos reis a alcunha de "os sogros da Europa". Conta com a participação de vários membros das famílias reais europeias que ocupam actualmente o trono, nomeadamente a rainha Margarida da Dinamarca e os seus dois filhos, e também de um membro da família real britânica, o príncipe Michael de Kent.

Mais abaixo disponibilizamos pequenas biografias de todos os intervenientes deste documentário. Boa visualização!


"A Royal Family - Romanov" (Legendas em Português) por sara-marques1

Participantes


Princesa Benedita da Dinamarca (nascida em 1949), filha do meio do rei Frederico IX da Dinamarca e da princesa Ingrid da Suécia. É irmã da rainha Margarida II da Dinamarca e da antiga rainha da Grécia, Ana Maria, e cunhada da rainha Sofia de Espanha.  É casada com o príncipe Ricardo de Sayn-Wittgenstein-Berleburg, de quem tem 3 filhos.


Príncipe Joaquim da Dinamarca (nascido em 1969), filho mais novo da rainha Margarida II da Dinamarca. Foi casado com Alexandra Manley entre 1995 e 2005, de quem teve dois filhos. É actualmente casado com a princesa Marie da Dinamarca, de quem tem outros dois filhos.


Xenia Kulikovsky (nascida em 1941), é neta da grã-duquesa Olga Alexandrovna da Rússia através do seu filho Gouri Kulikovsky. Nasceu no Canadá, onde viveu com a avó, e tem quatro filhos.


Princesa Olga Andreevna Romanova (nascida em 1950), neta da grã-duquesa Xenia Alexandrovna e do grão-duque Alexandre Mikhailovich através do segundo filho deles, o príncipe André Alexandrovich da Rússia. Chegou a ser considerada para noiva do príncipe Carlos de Gales, mas acabou por casar com Thomas Mathew de quem se separou em 1989. Tem quatro filhos e, um deles, Francis-Alexander Mathew, participou na versão ucraniâna do reality show "The Bachelor".


Príncipe Michael de Kent (nascido em 1942), filho do príncipe Jorge, duque de Kent, um tio da rainha Isabel II, e da princesa Marina da Grécia e da Dinamarca. É um descendente directo dos Romanov, sendo neto da grã-duquesa Helena Vladimirovna da Rússia. É casado com a baronesa Marie von Reibnitz, mais conhecida como Princesa de Kent, e tem dois filhos.


Constantino II da Grécia (nascido em 1940), filho dos reis Paulo e Frederica da Grécia, foi o último rei da Grécia entre 1964 e 1967. É irmão da rainha Sofia de Espanha e casado com a irmã da rainha Margarida II da Grécia, a princesa Ana Maria, de quem tem cinco filhos.


Frederico, Príncipe-Herdeiro da Dinamarca (nascido em 1968), filho mais velho da rainha Margarida II da Dinamarca e futuro rei da Dinamarca. É casado com a princesa Mary da Dinamarca de quem tem quatro filhos.


Príncipe Miguel da Grécia e Dinamarca (nascido em 1939), filho do príncipe Cristóvão da Grécia e Dinamarca e da princesa Françoise de Orleães, é neto da grã-duquesa Olga Constantinovna da Rússia (rainha da Grécia) e primo direito do príncipe Filipe, duque de Edimburgo. É casado com a artista grega Marina Karella de quem tem duas filhas.


Princesa Luísa da Prússia (1917-2009), filha do príncipe Frederico Sigismundo da Prússia (1891-1927) e da princesa Maria Luísa de Schaumburg-Lippe. Era neta da princesa Luísa da Dinamarca, filha do rei Frederico VII da Dinamarca (irmão de Maria Feodorovna) e da princesa Luísa da Suécia.


Margarida II da Dinamarca (nascida em 1940), actual rainha da Dinamarca, filha do rei Frederico IX da Dinamarca e da princesa Ingrid da Suécia. É casada com Henrique, Príncipe-Consorte da Dinamarca, de quem tem dois filhos.


Paul Kulikovsky (nascido em 1960), filho de Xenia Kulikovsky, é bisneto da grã-duquesa Olga Alexandrovna da Rússia e um dos membros mais activos da Associação da Família Romanov.


Dmitri Romanovich Romanov (nascido em 1926), é o actual líder da família Romanov, segundo filho do príncipe Roman Petrovich da Rússia. Foi casado duas vezes, mas não tem filhos.


Príncipe Nikolai Romanovich Romanov (1922-2014) foi líder da família Romanov desde 1992 até à sua morte e um dos fundadores da Associação da Família Romanov.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Memórias do grão-duque Alexandre Mikhailovich - A Última Visita ao Palácio de Alexandre

O grão-duque Alexandre Mikhailovich da Rússia (1866-1933)
O ano novo de 1917 começou com grandes mudanças no executivo e ainda mais tristeza. O príncipe Golitzin, recentemente nomeado primeiro-ministro, era uma caricatura da palavra francesa “ramolli”. Não compreendida nada, não sabia nada e só o Nicky e a Alix poderiam explicar porque se lembraram de nomear aquele antigo cortesão sem qualquer experiência administrativa. Juntamente com o ministro do interior, Protopopoff, um cobarde histérico e antigo liberar que se transformou em conservador ortodoxo graças à magia de Rasputine, os dois eram um par extraordinário que assentava que nem uma luva no acto final da Morte da Nação.

O grão-duque Alexandre com a sua esposa, a grã-duquesa Xenia
Em inícios de Fevereiro, recebi ordens da Stavka para estar presente numa conferência em São Petersburgo com os representantes dos governos aliados para discutir as munições que iriamos precisar para os doze meses seguintes. Decidi aproveitar esta oportunidade para me encontrar com a Alix. Em Dezembro, durante a minha última visita à cidade, não a quis incomodar [esta visita do grão-duque realizou-se pouco depois do assassinato de Rasputine], mas, desta vez, sentia-me zangado o suficiente para lhe dizer aquilo que pensava. A esta altura já todos esperávamos que rebentasse uma revolta na capital. Alguns “especialistas” diziam que essa revolta seria iniciada dentro do palácio, o que significava que o czar seria obrigado a abdicar a favor do seu filho Alexei e os poderes da regência seriam entregues a um conselho de pessoas que “compreendiam o povo russo”. Este projecto deixou-me estupefacto. Nunca tinha conhecido ninguém que compreendesse o povo russo. A ideia parecia-me ter origem estrangeira e acabaria por descobrir que tinha surgido da embaixada britânica. Um jovem rico e bem-parecido visitou-me em Kiev pouco tempo depois e falou-me por alto deste plano extraordinário, inventado pelos britânicos. Disse-lhe que tinha escolhido o homem errado para se confessar, uma vez que jamais um grão-duque poderia quebrar o juramento que tinha feito ao imperador. Foi a estupidez dele que o livrou de ser castigado de forma mais severa. Depois da revolução, tornou-se um criado muito estimado do senhor Kerensky e ocupou os cargos de ministro das finanças e ministro dos assuntos estrangeiros.

Alexandra, Xenia e Alexandre por volta de 1912
Assim, cheguei a São Petersburgo, felizmente pela última vez na vida. No dia que tinha sido marcado para a minha conversa com a Alix, chegou uma mensagem de Czarskoe Selo a informar-me de que ela não se sentia bem e que não me podia receber. Escrevi-lhe uma carta pouco simpática onde lhe implorava que me deixasse falar com ela, uma vez que só ia estar na capital alguns dias. Enquanto esperava pela resposta dela, falei com várias pessoas. O meu cunhado, Misha [o grão-duque Miguel Alexandrovich] estava na cidade e sugeriu que devíamos falar com o irmão dele [Nicolau II], um de cada vez, assim que eu conseguisse falar com a Alix. O presidente da Duma, o senhor Rodzianko, um homem gordo e insípido, visitou-me e informou-me de uma série de rumores, teorias e planos anti-dinásticos. A arrogância dele não tinha limites. Juntamente com as suas deficiências mentais, parecia o bobo da corte das comédias medievais. Um mês depois, deu a Cruz de São Jorge a um soldado do Regimento Volinsky que tinha sido o primeiro homem a matar o seu comandante em 1917. Nove meses depois, Rodzianko foi obrigado a fugir de São Petersburgo quando passou a ser perseguido pelos bolcheviques.

O grão-duque Alexandre (esq.) com soldados durante a Primeira Guerra Mundial
Depois recebi um convite da Alix para um lanche em Czarskoe Selo. Ah, aqueles lanches! Tenho a sensação que desperdicei quarenta anos da minha vida naqueles lanches em Czarskoe Selo.

A Alix estava na cama e prometeu receber-me assim que terminássemos a refeição. Na mesa havia oito pessoas: o Nicky, eu, o herdeiro, as quatro grã-duquesas imperais e o ajudante-de-campo Linevich. As meninas estavam vestidas com os seus uniformes da Cruz Vermelha e falaram do trabalho que estavam a fazer no seu hospital. Já não as via desde a primeira semana da guerra e achei que estavam crescidas e muito bonitas. A mais velha, Olga, tinha opiniões muito parecidas com a sua tia, a grã-duquesa Olga Alexandrovna. A segunda mais velha, Tatiana, era a mais bonita da família. Estavam todas bem-dispostas Não sabiam nada sobre os eventos políticos que estavam a acontecer. Brincaram com o irmão e elogiaram os feitos da sua tia Olga. Foi a última vez que me sentei na mesa deles em Czarskoe Selo e, por isso, foi também a última vez que vi os filhos do czar.

Grão-duque Alexandre Mikhailovich (centro) com o czar Nicolau II e as grã-duquesas Olga Alexandrovna, Xenia Alexandrovna, Tatiana e Olga
Tomámos o café no salão lilás enquanto o Nicly foi até à sala ao lado para avisar a Alix que eu já estava pronto para a ver.

Entrei com cuidado. A Alix estava deitada na cama, vestida com uma camisa de dormir beje e com uma expressão de preocupação no seu belo rosto que parecia anunciar problemas para este intruso indesejado. Estava prestes a ser atacado, o que me deixou triste, uma vez que não vinha como inimigo, mas sim para ajudar. Também não gostei de ver o Nicky sentado ao lado dela na cama, uma vez que, na minha carta, tinha pedido especificamente para falar com ela em privado. Seria embaraçoso avisá-la que estava a arrastar o marido para o abismo com ele presente.

Alexandra Feodorovna
Beijei-lhe a mão e ela tocou ao de leve na minha bochecha com os seus lábios: a saudação mais fria que ela alguma vez me deu desde que nos conhecemos em 1893. Peguei numa cadeira e coloquei-a perto da cama, em frente a uma parede coberta de ícones iluminados por dois círios.

Comecei a apontar para os ícones e a dizer que gostava de falar com ela tão abertamente como se me estivesse a confessar ao meu padre. Dei-lhe uma ideia geral da situação política, hesitei em dizer-lhe que a propaganda revolucionária já tinha penetrado por toda a população e que os liberais e caluniosos estavam a acreditar nela.

Ela interrompeu-me zangada:

Isso não é verdade. A nação continua a ser-lhe leal”, disse, virando-se para o Nicky. “Só a Duma traiçoeira e a sociedade de São Petersburgo é que estão contra ele.

Alexandra e Nicolau em 1917
Admiti que a afirmação dela estava, em parte, correcta.

Alix, não há nada mais perigoso do que uma meia-verdade”, disse-lhe, olhando-a directamente nos olhos. “A nação é leal ao seu czar, mas a nação também está indignada com a influência que aquele homem, o Rasputine, exerceu. Ninguém sabe melhor do que eu o amor e devoção que tens pelo Nickly e, no entanto, tenho de confessar que a tua interferência nos assuntos de estado está a prejudicar tanto o prestígio do Nicky como a concepção que o povo tem do seu czar. Sempre fui um dos teus amigos mais fiéis, Alix, durante vinte-e-quatro anos. Continuo a sê-lo e, como teu amigo, tenho de te avisar que todas as classes estão contra as tuas políticas. Tens uma bela família, porque não te dedicas a assuntos que tragam paz e harmonia? Por favor, Alix, deixa os assuntos de estado para o teu marido.

Ela corou e olhou para o Nicky. Ele não disse nada e continuou a fumar. É triste que, quando falo do comportamento do último czar em momentos de crise, tenha de repetir sempre a mesma frase: “não disse nada e continuou a fumar.” Mas o que posso fazer se, qualquer outra frase não corresponde à verdade?

Nicolau II por volta de 1915
Continuei. Expliquei que, por muito que fosse contra as reformas parlamentares na Rússia, acreditava que conceder um governo aceitável à Duma iria retirar responsabilidades ao Nicky e tornar a tarefa dele mais fácil.

Por favor, Alix, não deixes que a tua sede de vingança supere o teu bom senso. Se houvesse uma mudança radical nas nossas políticas, poderíamos desviar a raiva da população. Não deixes que essa raiva expluda.

A Alix escarniou-me. “Esta conversa é ridícula. O Nicky é um autocrata. Como pode partilhar os seus direitos divinos com um parlamento?

Alexandre Mikhailovich com a sua esposa, Xenia
Estás muito enganada, Alix. O teu marido deixou de ser autocrata no dia 17 de Outubro de 1905. Só nesse dia é que ele podia ter pensado nos direitos divinos dele. Agora é tarde demais. Talvez daqui a dois meses já não reste nada deste nosso país que nos faça lembrar que alguma vez existiram autocratas no trono dos nossos antepassados.”

Ela deu-me uma resposta incoerente e levantou a voz, o que me levou a levantar também a minha. Nessa altura, decidi mudar o tom da conversa.

Lembra-te, Alix, que estive calado durante trinta meses!” Gritei enfurecido. “Durante trinta meses, nunca te disse uma palavra sobre os acontecimentos escandalosos do governo, do teu governo! Estou a ver que estás disposta a morrer e que o teu marido é da mesma opinião, mas então e nós? Temos de sofrer todos por causa da tua teimosia cega? Não, Alix, não tens o direito de arrastar os teus parentes contigo para o precipício! Estás a ser profundamente egoísta!

Alexandra Feodorovna
Recuso-me a continuar com esta discussão," disse ela, friamente. “Estás a exagerar o perigo. Um dia destes, quando não estiveres tão zangado, vais admitir que eu é que tinha razão.”

Levantei-me, beijei-lhe a mão, ela não me cumprimentou, e fui-me embora. Nunca mais a voltei a ver.

Quando passei pelo salão lilás, vi o ajudante-de-campo do czar, o Linevich, a falar com a Olga e a Tatiana. A presença dele, mesmo ao lado do quarto da czarina, surpreendeu-me. A Madame Vyrobovna, a principal confidente da Alix durante os últimos anos do regime, e uma grande admiradora do Rasputine, diz nas suas memórias que “a czarina tinha medo que o grão-duque Alexandre perdesse a compostura e fizesse algum disparate.” Se isso for verdade, então a Alix não tinha mesmo noção do que se passava, o que pode justificar a sua teimosia.

Alexandra, Nicolau e o grão-duque Miguel Alexandrovich
No dia seguinte, o Misha e eu falamos com o czar, o que foi uma perda de tempo tanto para ele como para nós. Eu praticamente não consegui falar. Os nervos e as emoções não me deixaram. “Obrigado, Sandro, pela carta que me enviaste de Kiev.” Foi a única referência que fez às várias páginas que lhe escrevi com conselhos.

Alexandre Mikhailovich
Texto retirado do livro de memórias do grão-duque Alexandre Mikhailovich "Once a Grand Duke".

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

As paixões de Olga e Tatiana

Olga, Anastásia, Maria e Tatiana com dois soldados imperiais
O dia 23 de Fevereiro de 1913 foi um dia muito especial para a grã-duquesa Olga Nikolaevna de dezoito anos quando, acompanhada pelo pai, pela mãe e pela sua tia Olga, participou no seu primeiro grande baile público em São Petersburgo, na Assembleia dos Nobres. O czar e a czarina já não estavam presentes num baile desde 1903 e Alexandra estava determinada a participar pela sua filha apesar de ter passado grande parte do dia de cama. Havia planos para Tatiana, a irmã mais nova de Olga, também estar presente, mas estava doente e de cama no Palácio de Inverno. Dois dias depois do baile, os médicos viriam a confirmar que a segunda filha do czar sofria de febre tifóide.

Olga e Tatiana em 1913
Olga estava determinada a não deixar esses contratempos estragar-lhe a noite. Estava linda, "vestida com um vestido cor-de-rosa claro simples de chiffon". Tal como tinha acontecido no baile para comemorar o seu décimo-sexto aniversário em Livadia, Olga "dançou todas as danças e divertiu-se de forma simples e completa como qualquer jovem no seu primeiro baile". O relato de Olga foi bastante mais prosaico: "Dancei muito, foi muito divertido. Estavam lá muitas pessoas, foi muito bonito". A grã-duquesa divertiu-se a dançar a quadrilha e a mazurka com muitos dos seus oficiais preferidos e ficou muito contente com a presença do seu querido amigo Nikolay Sablin, um oficial do Shtandart. Meriel Buchanan, filha do embaixador inglês em São Petersburgo, ficou cativada com a grã-duquesa mais velha nessa noite, "vestida com uma simplicidade clássica" e o seu colar era um simples "colar de pérolas de uma única fila", mas, mesmo assim, era completamente impossível resistir ao seu "nariz perfeito". Olga "tinha charme, uma frescura e um encanto exuberante que a tornavam irresistível". Meriel Buchanan lembra-se de a ver "hirta, nos degraus que levavam da galeria até ao salão de baile, a tentar resolver alegremente uma disputa entre três grão-duques que protestavam todos pelo direito de ter a primeira dança". No entanto, a imagem mereceu alguma reflexão: "ao vê-la, pensei no que lhe reservaria o futuro e qual dos muitos pretendentes que eram mencionados ocasionalmente seria o escolhido para se casar com ela."

Olga em 1913
A questão do futuro casamento de Olga tinha, inevitavelmente, ganho importância durante o ano de comemorações do Tricentenário da dinastia Romanov. Até então, as irmãs imperiais tinham sido um assunto tabu para a imprensa russa, mas depois de serem apresentadas oficialmente em público pela primeira vez, houve maior liberdade em falar sobre elas. A discussão do papel de Olga como filha mais velha tinha surgido nos bastidores uma vez mais depois da crise de sucessão que pairou no ar no Inverno de 1912-13. Quando Alexei esteve às portas da morte em Spala, o irmão mais novo de Nicolau, o grão-duque Miguel, tinha fugido para Viena para se casar em segredo com a sua amante, Natalya Wulfert, uma plebeia divorciada. Sabendo que, se Alexei morresse, e ele se tornasse herdeiro da coroa, Nicolau nunca permitiria este casamento morganático, Miguel tinha esperado que, se se casasse sem o seu irmão saber, o seu acto seria aceite como um 'fait accompli', mas Nicolau ficou furioso. A sua resposta não deixou sombra para dúvidas: exigiu que Miguel renunciasse aos seus direitos de sucessão ou que se divorciasse imediatamente de Natalya para impedir um escândalo. Quando Miguel se recusou a fazê-lo, Nicolau congelou os bens do irmão e expulsou-o da Rússia. Em finais de 1912, foi publicado um manifesto nos jornais russos no qual Miguel era retirado do conselho de regência e os seus comandos e honras imperiais eram retirados. Segundo as leis de sucessão, era o filho mais velho do grão-duque Vladimir Alexandrovich, o grão-duque Kirill Vladimirovich, que se tornaria regente caso Nicolau morresse antes de Alexei cumprir vinte-e-um anos de idade. No entanto, tanto ele como os seus dois irmãos, que levavam todos vidas de moral questionável, eram muito pouco populares na Rússia. Por isso, em vez de seguir o procedimento normal, Nicolau contornou as leis existentes e ordenou ao conde Freedericksz que redigisse um manifesto no qual nomeava Olga como sua regente e Alexandra a sua guardiã enquanto Alexei não chegasse à maioridade. Foi publicado em inícios de 1913, sem passar pela Duma, como era obrigatório. O documento, como seria de esperar, enfureceu a grã-duquesa Maria Pavlovna Sénior.

Olga e Alexei                  

Da sua posição privilegiada na Embaixada Britânica, Meriel Buchanan percebeu que a família imperial estava a passar por um período complicado naquele ano:

"O casamento do grão-duque Miguel causou grande agitação e dizem que o querido imperador está com o coração partido. Ninguém sabe ao certo o que se passa com o menino e,  se acontecer o pior, a questão da sucessão irá tornar-se séria.  O Kyrill, claro, é o que está mais próximo, mas muitos duvidam que o clã Vladimir terá permissão para suceder, uma vez que a mãe deles não era ortodoxa quando eles nasceram. Se assim for, o Dmitri será o próximo e teria de se casar com uma das filhas do imperador."
Os Vladimirovich: (da esq. para a dir.) o príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca, o grão-duque Boris, a grã-duquesa Helena, o grão-duque André, a grã-duquesa Maria Pavlovna Sénior e o grão-duque Kyrill.

Corriam claramente rumores sobre uma união entre Olga e Dmitri. Meriel, que tinha um gosto especial por boatos, achava essa ideia um quanto divertida. Ela própria tinha passado bastante tempo com Dmitri na sociedade de São Petersburgo, na qual toda a gente andava a aprender as danças da moda mais recentes. "Tive uma lição muito exigente com o Dmitri um dia destes," escreveu ela a uma prima. "Seria muito 'chic' se um dia o Dmitri se tornasse imperador de todas as Rússias para eu poder dizer que ele me ensinou a dançar o Bunnyhug, não achas?". No entanto, todas as conversas sobre a possível união desapareceram pouco tempo depois quando Dmitri pediu outra prima sua em casamento, a princesa Irina Alexandrovna, a única filha da grã-duquesa Xenia Alexandrovna. No entanto, o seu pedido acabaria por ser rejeitado e Irina preferiu aceitar a proposta do melhor amigo dele, o príncipe Felix Yussupov. À medida que o ano foi avançando, Nicolau e Dmitri começaram a afastar-se gradualmente, mas o grão-duque manteve o seu posto de ajudante-de-campo do imperador.


Dmitri Pavlovich com a sua prima e apaixonada, a princesa Irina Alexandrovna

Quanto a Olga, os seus pensamentos românticos de adolescente estavam na altura firmemente direccionados para pessoas que ocupavam lugares muito mais inferiores na sociedade, mais especificamente para um oficial chamado Alexander Konstantinovich Shvedov, capitão da escolta do czar. No seu diário, a grã-duquesa referia-se a ele pelo acrónimo AKSH e a presença dele nos chás da sua tia Olga ao Domingo era a altura mais importante da sua parca vida social durante grande parte da primeira metade do ano. Estas ocasiões eram pouco mais do que pequenas reuniões divertidas com um grupo de oficiais favoritos escolhidos a dedo. O pequeno grupo dançava ao som do fonógrafo e jogava jogos infantis como o gato-e-o-rato, a sardinha, as escondidas e à apanhada. As quatro irmãs eram vigiadas muito levianamente pela sua tia, mas os jogos acabavam quase sempre em muitos risos e brincadeiras animadas que colocavam as quatro irmãs em contacto físico próximo com homens com quem, noutras circunstâncias, elas nunca teriam permissão de manter tal grau de intimidade.


Olga com um dos marinheiros do Standard
Era um tipo de brincadeira muito estranho e perverso, mas nem a mãe nem a tia delas via nenhum mal nele. Lá estavam as grã-duquesas imperiais da Rússia, prestes a entrar na idade adulta, a comportar-se como crianças, num tipo de comportamento que fez com que a grã-duquesa Olga se apaixonasse por um jovem que, em quaisquer outras circunstâncias, estaria fora dos seus limites. “Sentei-me com o AKSH o tempo todo e apaixonei-me profundamente por ele”, escreveu ela no seu diário a 10 de Fevereiro. “Deus tenha piedade de nós. Estive com ele o dia todo, na liturgia e à noite. Foi muito bom e divertido. Ele é tão querido.” Durante várias semanas depois desta confissão, o novo padrão da sua vida, além das suas lições, passeios com o papá, fazer companhia à mamã e ouvir o Alexei a rezar à hora de dormir, eram os dias em que, ocasionalmente, podia ir visitar a tia Olga em São Petersburgo para jogar jogos infantis e admirar AKSH, o seu belo cossaco de bigode no seu uniforme cherkeska.

Maria, Anastásia e Olga com alguns soldados numa das festas de Domingo organizadas pela sua tia, a grã-duquesa Olga Alexandrovna
Tatiana ficou triste por ter de perder grande parte das comemorações do Tricentenário em São Petersburgo, já para não falar das visitas à tia Olga, nas quais ela tinha também os seus oficiais favoritos. Devido à sua doença (que, pouco tempo depois, também transmitiu ao Dr. Botkin e a Trina Schneider), a família foi obrigada a deixar o Palácio de Inverno a 26 de Fevereiro e regressar a Czarskoe Selo; mas antes de o fazer, Tatiana pediu à sua enfermeira, Shura Tegleva para telefonar a Nikolay Rodionov para lhe dizer que ia adorar se alguns dos oficiais passassem pela sua janela no Palácio de Inverno, para que ela os pudesse ver. Rodionov e Nikolay Vasilevich Sablin tiveram todo o prazer em fazê-lo e recordou o resto da vida o momento em que passou pela janela da pobre jovem doente que lhes fez uma vénia com a cabeça.

Tatiana em 1913, já sem cabelo devido à doença que sofreu nesse ano
Quando regressou ao Palácio de Alexandre, Tatiana ficou imediatamente em quarentena das irmãs e esteve muito doente durante mais de um mês. A 5 de Março, o seu lindo cabelo castanho teve de ser cortado e Tatiana teve de usar uma peruca até Dezembro, altura em que o cabelo voltou ao tamanho original. Presa em casa com a sua mãe, uma a tomar conta da outra, só em Abril é que Tatiana se aventurou a sair para a varanda de Alexandra, mas ainda estava a nevar e demasiado frio para sair de casa durante muito tempo. Quando finalmente o tempo melhorou o suficiente para ela poder sair, sentia-se envergonhada por causa da peruca. Um dia, quando estava a jogar um jogo de saltos no parque com Maria Rasputina e alguns jovens oficiais da academia militar Corps de Pages, o cão de Alexei foi atrás dela a ladrar; Tatiana ficou com o pé preso numa corda, caiu e, de repente, a sua peruca estava no chão", recordou Maria. A pobre Tatiana "revelou-nos a nós e aos oficiais envergonhados a parte de cima da cabeça dela, onde algum cabelo começava a nascer". Ficou completamente envergonhada e "tão depressa como caiu, pôs-se de pé, pegou na peruca e correu para trás de umas árvores. Apenas a vimos corar e zangada e ela não voltou a aparecer naquele dia."


Nicolau a ler para Tatiana durante a sua doença em 1913
Durante o inverno de 1913 no Palácio de Alexandre, o diário de Nicolau mostra como ele era um pai dedicado e activo na vida das suas filhas, ocupando um lugar que a sua esposa, que estava sempre doente, não tinha forças para assumir. Independentemente da quantidade de documentos que tivesse em cima da secretária, do número de reuniões com os seus ministros, audiências públicas e revistas militares que ocupavam os seus dias, nesta altura do ano, quando a família se encontrava em Czarskoe Selo, o czar arranjava sempre tempo para estar com os filhos. A História pode condená-lo por ter sido um czar fraco e reaccionário, mas era também, sem sombra de dúvidas, o pai mais exemplar da realeza. Os meses de Janeiro e Fevereiro eram especiais para ele e para as suas filhas, uma vez que era nessa altura que eles passeavam mais juntos e iam ao ballet. Sendo a filha mais velha, Olga (e, quando não estava doente, Tatiana) teve o privilégio de assistir a óperas como Madame Butterfly, Cidade Invisível de Kitezh e Lohengrin de Wagner, um espectáculo que Olga achou particularmente belo e comovente. 



Apesar de tudo, grande parte do tempo que tinham com o pai era passado no parque do Palácio de Alexandre, independentemente do tempo, em caminhadas, a andar de bicicleta, a ajudá-lo a partir o gelo que se formava nos canais, a fazer ski, a deslizar por montes de neve e a brincar com Alexei que, quando estava bem, juntava-se a eles com as suas botas especiais de biqueira de aço. As irmãs adoravam quando tinham o pai só para si; ele caminhava depressa sem nunca se cansar e todas as suas filhas aprenderam a acompanhar o seu ritmo, principalmente Olga e Tatiana que caminhava sempre ao lado dele, uma de cada lado. Maria e Anastásia corriam de um lado para o outro à volta deles, a deslizar no gelo ou a atirar bolas de neve uma à outra. Qualquer pessoa que se cruzasse com o czar e as suas filhas do parque via perfeitamente que ele tinha muito orgulho nas suas meninas. "Ficava contente quando as pessoas as admiravam. Era como se os seus gentis olhos azuis dissessem: 'Vejam só as filhas maravilhosas que eu tenho.'"

Nicolau II com as suas filhas em 1914
Texto retirado do livro "Four Sisters: The Lost Lives of the Romanov Grand Duchesses" de Helen Rappaport